quinta-feira, abril 27

12-2006: Sra do Almortão (Poema Romeno)

A nomeada da Senhora do Almortão chegou às campinas da Roménia.

Eugene Galateanu (Poeta Romeno) deixou-nos uma estranha impressão (surrealista?) do local em que, provavelmente, tem lugar o maior acontecimento religioso da zona raiana.
Senhora do Almortão
Nas grandes cidades solitárias
Nas grandes cidades desertas comigo só na vida
Betão, aço e vidro eu desejo, Horus Deus menor
Eu, o herdeiro
Com o desaparecimento de um animal
Único amigo no caminho
Eu fui a guardiã dos mortos
Senhora do Almortão
Arranco-me do pesadelo
Desejava banir este coração de queixumes
Desejava partir deste cemitério
Esta capela na qual eu não quero entrar
Esta capela em ruinas
Este suave perfume de cadáver
Colunas caídas, do tecto avistamos o abismo
Esta capela onde eu não posso entrar
Esta capela onde não me posso esquecer, o meu estômago revolta-se de espanto
Esta capela onde me decomponho lentamente
Sobre o catafalco.

Este poema foi retirado ao Idanhense, pouco tempo antes de ele se ter mudado para aqui. Desencantou-o e o postou-o em Abril do ano passado, também por alturas da Sra do Almortão.
Como este vizinho já não pode ser visitado na morada antiga, pela curiosidade, aqui fica o poema no original.
Senhora do Almortao
În marile oraşe solitare
În marile oraşe pustii, cu mine singurul în viaţă
Beton oţel şi sticlă şi doar eu, Horus, zeu minor
Eu moştenitorul,
Cu disperarea unui animal
Cu drumul singur prieten
Fug de castelana morţii
Senhora do Almortao
Mă smulg din coşmar
Vreau să alung acel cor de bocitoare
Vreau să ies din acel cimitir
Acea capelă, unde nu vreau să intru
Acea capelă, în părăginire
Acel miros dulce, de leş
Coloane căzute, prin tavan se vede hăul
Acea capelă unde nu pot să intru
Acea capelă unde nu pot să mă uit, stomacul mi se-ntoarce de groază
Acea capelă unde mă descompun încet
Pe catafalc.
INTÉRPRETE PARA FORASTEIROS
Agradeço ao Filipe Machado (Aphatrad Portugal) por me ter conseguido a tradução de romeno para francês (foi o que se pôde arranjar).
A versão para português foi traduzida pelo chanesco. E quero dizer isto baixinho porque ele é muito modesto. Não gosta de falar dele. A verdade é que francês é com ele. Quer dizer... francês, Alentejano e do Douro, se lhe Dão...
Mas do que gosta mesmo!? Qual Roquefort, qual Camembert, qual pasteurizado, qual quê. Não há queijo melhor que o nosso, do daqui, diz ele. Do da ti Reija ou do da ti Camesona, por exemplo, com 4 ou 5 meses de cura em palha centeia, seja ele de ovelha, de cabra ou misto, é que é bom. No paladar sente-se a dedicação e a sabedoria com que a coalhada foi calcada e moldada no acincho, e o carinho com que cada uma destas delícias foi manuseada durante a cura.
Bom, deixa-me lá desta conversa que já estou a começar a saír do rego ou seja; a desviar-me do tema principal.
O que interessa é que segunda-feira lá estarei, para comer um bom catcho do genuino, à sombra de uma árvore qualquer.

terça-feira, abril 25

11-2006: DIA DA LIBERDADE


Excerto do poema
"As Portas Que Abril Abriu"
José Carlos Ary dos Santos

Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.

Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo.

Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade

(pode ler aqui o poema completo)

quinta-feira, abril 20

10-2006: Rivalidades do São Domingos

Capela de São Domingos ao entardecer (1982)
No primeiro domingo depois da Páscoa, domingo de Pascoela, a Zebreira festeja o São Domingos.
A parte religiosa da festa realiza-se ali no Carvalão, numa ermida construída junto à ribeira da Toulica, num lugar bastante aprasível, mais ou menos a um quarto das duas léguas que separam Toulões da então sede de freguesia.
A razão da ermida estar naquele local, parecia, até há bem poucos anos, ser ainda um assunto mal resolvido entre os da Zebreira e os do Rosmaninhal. Ao que parece, ambos os lados rivalizavam na disputa pelo direito à posse do santo, que, por obra de uma espécie de sentença salomónica, mais valeu atribuir a imagem à Zebreira do que dividi-la ao meio. Deste modo, os zebreirenhos abandonaram a capelinha que albergava o santo, na fronteira com o termo do Rosmanhinal, para construírem esta, precisamente do lado oposto do seu termo, talvez para evitar retaliações.
Quando as palavras desertificação e despovoamento ainda não tinham significado, esta romaria, juntava todos os anos uma caterva de gente, principalmente oriunda destas duas povoações. Em dia de romagem parecia que parira ali a galega.
Dada a proximidade, de burro ou a pé, a população de Toulões deslocava-se em peso ao São Domingos, um pouco ainda a fazer o rescaldo da Páscoa, ou talvez já a ensaiar os preparativos para a Senhora do Almortão que se celebra oito dias depois.
Para além das celebrações religiosas era costume, por assim dizer, aferir as rivalidades entre os homens das duas aldeias que aí se deslocavam, e que, logo à chegada se iam penitenciar, primeiro ao balcão e só depois ao altar do padroeiro. Sempre se ganhava um pouco mais de coragem para enfrentar os desafios.
Entre dois pichorros de vinho, lá vinha o jogo da rêlha ou o jogo da malha. Por vezes era também o jogo do pau, sendo este mais usual nas feiras de gado, que frequentemente era motivado por desentendimentos que misturavam copos com negócios
Mas o jogo rei destes festejos era o da barra. Este jogo de força e destreza dava alguma fama ao valentão, geralmente bastante apregoado pelas redondezas.
O ti João Pequeno, homem já entrado nos quarenta, e o Ti Henriques, um pouco mais novo, eram dois desses valentões que não deixavam créditos por mãos alheias.
Era vê-los pegar naquela pedra de 20 ou 30 quilos , geralmente roubada à parede de uma tapada, que subia braço acima, e, depois de um balanço à laia de lançamento do disco olímpico, mas sem mexer os pés do chão, catapulta-la três ou quatro metros lá para diante. Alguns bem gemiam, e até por vezes rasgavam pana, ao esforçarem-se para arremessar a pedra o mais à frente possível, muitos não chegando a ultrapassar metade dessa distância. Não havia pai para estes dois exímios lançadores que ficavam sempre a despicar ao centímetro quem seria o vencedor, deixando os da Zebreira de rabo alçado.
Estes, como tinham cinco ou seis rapazes que davam uns toques na bola, com equipamento a rigor e chuteiras de travessas, trouxeram uma de "catxu" (novidade para a época) e desafiaram os habituais rivais, sabendo-os pouco dotados para o jogo da pilota.
Os dos Toulões, também não querendo dar a parte fraca, reconhecendo estarem em desvantagem, não se impressionaram com todo aquele aparato e aceitaram o repto. Espontaneamente, entre os solteiros e os casados presentes, lá reuniram onze jogadores. Não havendo equipamento, e com receio de estragarem o fato domingueiro, o único, naquela altura, que servia para todas as ocasiões festivas, a saída foi esquecer todos os tabus da época e toca a alinhar em ceroulas em defesa da sua honra e da sua terra.
Escolheu-se uma beirada que estava de pousio, mesmo ali junto ao recinto da festa, desviaram-se alguns burros que lá pastavam, e espetaram-se quatro estacas, aparelhadas no local, para fazer as balizas. Não havia marcações. Os limites do campo eram só entre as duas linhas de baliza, reguladas pelo alinhamento das estacas. As linhas de fora eram os cômaros formados pelas lindes que limitavam aquele terreno e também não foi por causa de dois ou três azinheiros, especados no meio do campo a assistir ao jogo, que este deixou de se realizar.
Deu-se início ao desafio. A bola saltitava sem nexo, apalpando todos os torrões que se escondiam por baixo daquele manto de margaça e pipílros.
Futebol, era coisa que poucos conheciam. Técnica e regras de jogo, só mesmo os que tivessem ido à tropa. Era ver aqueles jogadores de ocasião, alguns descalços, dar carreiras com as partes baixas dependuradas, a saírem pela portinhola das trusses, na ânsia de dar um pontapé na pilota que não estava lá muito pelos ajustes. Conseguir tocar-lhe já era um triunfo. Onde estava a bola, lá estava um adjunto de jogadores.
Era quase como nos rebanhos:
- Para onde vai uma ovelha vão as outras todas.
O jogo estava animado. Mais para o lado dos Zebreirenhos que chegaram a estar a vencer por larga vantagem.
Na assistência, as hostes, que se manifestavam-se ruidosamente, esquecendo por completo a algazarra de um propagandista, vendedor de banha da cobra, que quase todos anos atabafava o bicho do ouvido a meia dúzia de romeiros, com aquele cone falante mais roufenho que o sino rachado da igreja velha.
Os dos Toulões já andavam um pouco desorientados. A cada golo sofrido mudava o guarda-redes. Os quatro que passaram pela baliza, era, cada um deles, o chibo espiatório para outros tantos golos sofridos.
Um pouco antes do intervalo, marcado pelo relógio de bolso, preso por uma corrente de prata à cintura de um árbitro improvisado, chegou o Chico "Barbeiro" que, naquela altura, jogava a guarda-redes na equipa das minas da Panasqueira. Num pronto, tomou lugar na baliza para alívio daquele que no momento lá estava e já tremia como varas verdes.
Escusado será dizer que, com um jogador assim experiente, o jogo tomou logo outro rumo, deixando os zebeirenhos completamente peados.
Não conseguiram marcar nem mais um golo. O jogo acabou pato porque a sua linha avançada, desde a entrada do Chico, e após três ou quatro defesas arrojadas deste, apardalou-se de tal forma que mais pareciam lambrandeiras atarantadas, caçando bichos em lavoura acabada de fazer.
Para os da Zebreira este empate teve o sabor de uma estrondosa derrota. Perdendo, desta feita, a oportunidade de fazerem prevalecer aquilo que julgavam ser a sua supremacia, meteram a bola no saco e ficaram à espera da próxima.
O Chico "Barbeiro", esse, cuja alcunha lhe assentava por via da profissão do pai, passou a ser circunstacialmente conhecido pelo Barrigana, nome que lhe deu o Tónho Louro, tropa no Porto, comparando-o com então famoso guarda-redes portista.
No final do jogo, dirigindo-se ele à fonte de água ferrenha (que ainda existe), para remover a sede que lhe secava as golas, foi desviado pelo Leitão, que o levou até à sombra do azinheiro onde a família tinha a merenda. Bebeu cada um seu coucho de vinho, tirado de uma cabaça, que estivera toda a manhã a refrescar na charca junto à fonte e lá foram assistir à missa campal.
Dizia um para o outro, referindo-se aos zebeirenhos:
- Estes Alcatruzes ficaram a andar à nora. Pensavam eles que isto era chegar à burra e dar-le um beijo, mas tchaparam-se, que os levou o diabo.
INTÉRPRETE PARA FORASTEIROS

adjunto; ajuntamento
Alcatruzes; nome por que eram conhecidos os habitantes da Zebreira
chegar à burra e dar-lhe um beijo; expressão que significa facilidade
cômaro; pequena elevação ou irregularidade no terreno
coucho; recipiente de cortiça
lindes; cômaro que forma extrema de um terreno
num pronto; imediatamente
pato; empatado
pichorro; caneco de barro
pilota; bola
pipílros; flor da forma da margaça, mas de pétalas amarelas
rasgavam pana; flatulavam
rêlha; peça metálica do arado que rasga a terra
trusses; ceroulas ou cuecas de homem

quarta-feira, abril 12

9-2006: Feliz Páscoa

Votos de uma Páscoa feliz para todos.
Não vos esquecais de pedir a benção ao vossos padrinho e de partilhar, com os vossos amigos, a bica de azeite que vos deu a vossa madrinha, como afolar .

sábado, abril 1

8-2006: A balela


O primeiro de Abril, dia das mentiras, era sempre assinalado, nos trabalhos, de várias formas. Apesar de ser quase sempre na Quaresma, em que o recato prevalecia sobre o divertimento, abria-se sempre uma excepção para algumas brincadeiras, principalmente entre as mulheres. Nesta altura, andavam na sacha, que antecedia a monda das grandes searas. Espetavam-se umas aldravadas e algumas partidas, que por vezes deixavam as pessoas a andar à nora, ainda mais quando tocava a esconder a merenda ou a ferramenta.
Este dia fez-me lembrar uma balela que, aqui há uns anos (quando foi criado o totoloto), apareceu como um bobrino. Levantou-se, fez a sua devastação e desapareceu na canícula do verão.
O António, ainda um galfarrote, andava a estudar na Idanha, obrigado por uma lei que contrariava a sua vontade e a da família. Sabe-se lá com que esforço, os pais, pastores, aguentando aquela situação, viam assim um braço de trabalho desperdiçado.
Algum colega de escola levantara o boato, de que o António tinha ganho o totoloto. A notícia correu a nove por todo o concelho e o rapaz viu-se, de repente, com uma fortuna nas mãos sem saber o que fazer dela.
Nunca a desmentiu. Na sua ingenuidade, a notícia não lhe podia ter dado maior satisfação. É que passou, num instante, a ter imensos amigos, todos a rondar à sua volta, como cachorros à hora da merenda, abanando o rabo à espera por uma raspa de queijo ou por uma tripa de chouriço.
Para dar ainda mais força à da notícia, tratou de forjar um boletim com a chave premiada e então é que foram elas.
Rico e famoso, de um dia para outro, foi dado como noivo de uma rapariga filha de uma família abastada das Termas. Para outros era com uma do Ladoeiro. Soou que tinha vendido uma churras do pai para fazer uma festa com a rapaziada mais chegada. Depois logo viria a compensação. Enfim… uma data de barbaridades.
Está claro que as novas também chegaram aos Toulões. Embora com bastantes reservas, apesar de alguma indagações infrutíferas, nunca foi confirmada a notícia. Toda a gente ficou desconfiada em relação ao desfecho do acontecimento, mas, mesmo assim, houve quem levasse a notícia muito a sério.
A minha vizinha, ti Maria Magra, mãe do António, era uma mulher a quem não se podia contar um segredo. - Digo bem, contar. Não, confiar !
De confiança era ela. Pobre, mas honesta acima de tudo.
O seu problema era que, por via de sucessivas mormeiras mal curadas, apanhou uma sinusite tão forte que em poucos anos lhe entupiu completamente os ouvidos. Para falar com ela e se fazer entender, tinha de se bradar bem alto.
Uma tarde, estava ela a preparar a ceia. Um caldo de feijão grande, com umas folhas de couve galega e umas aparas de massa de alarves, como só ela sabia fazer. Mais de uma vez provei aquela iguaria, aceitando-a, de bom grado, não como paga de algumas pequenas coisas que ela me pedia, mas por saber que ela se consolava de me ver apreciar aquela delícia.
Ao fim da tarde, já a sombra marcava as horas na terceira pedrita entaliscada na parede de xisto do oitão da casa do Tonho Grande, chega a ti Catrina Ferra que também já sabia da coisa.
Depois de umas breves palavras de circuntância, sempre a gritar, começou a tentar convencer a Ti Maria para lhe comprar um terreno ali no chão de Castelo Branco, logo à saída do povo pelo caminho do ribeiro de Cunha. Ao saber da notícia, viu logo ali uma oportunidade para arranjar uns dinheiritos, talvez para dar aos filhos que andam lá por Lisboa.
- Ó Maria, tens ali muito terreno p´ra te estenderes. Fazes lá uma boa casa, p´ra ti e prós teus filhos. Tu que não tens onde fazer horta, fazes lá uma valente. Água há-a lá com fartura. - disse a ti Catrina mostrando-se um pouco incomodada por ter de falar para toda a vizinhança.
- Atão e o dinheiro tenho-o aonde? no cu do conde? - perguntava a Mari Magra.
- Tama damonho! atão o teu filho não ficou rico?
Eu, que estava a ouvir aquela conversa de surdas, lá fui tentar explicar o que se passava.
A ti Catrina, que também, já havia uns anitos, tinha deixado os ouvidos na casa do ti Zé Ferreiro, denotava alguma dificuldade em ouvir com clareza o que lhe diziam.
Teve mesmo alguma dificuldade em perceber que aquilo era apenas uma história inventada.
- Ó ti Catrina. Vossemecê que tem p´ra aí tantas sortes e não dá conta delas, porque é que não lhe empresta uma para fazer uma horteca.
Isso ouviu logo à primeira. Virou costas, encolheu os ombros e foi-se embora desolada, mas não deixou de resmungar:
- O patrão do homem dela tem lá muito terreno. Que a deixe lá por umas couves.
INTÉRPRETE PARA FORASTEIROS
Hoje não tive tempo de traduzir. Alguma dúvida perguntem-me que eu cá estou.